Após inspeção na Penitenciária Estadual de Dourados (PED) — motivada pela infecção generalizada de escabiose (sarna) e furunculose —, a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul se reuniu com a Secretaria de Estado de Saúde (SES) e com a Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen) para um planejamento de enfrentamento efetivo da crise sanitária.
A inspeção aconteceu no dia 23 de janeiro, das 8h30 às 16h, contou com a participação do coordenador do Núcleo do Sistema Penitenciário (Nuspen), defensor público Cahuê Urdiales; do coordenador do Núcleo Criminal (Nucrim), defensor público Daniel Calemes; da coordenadora do Núcleo dos Direitos Humanos (Nudedh), defensora Thaísa Defante; do coordenador do Núcleo de Defesa dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial e Étnica (Nupiir), defensor público Lucas Pimentel, e assessores dos núcleos temáticos.
O coordenador do Nuspen destaca que a ação visitou todos os espaços de privação de liberdade onde se encontram os 2.400 internos da PED. Do total de presos, mais de 500 estão infectados com uma ou com as duas doenças.
“A situação é grave, crítica e exige intervenção rápida e efetiva do poder público. É evidente que as condições nos presídios estão longe de serem aceitáveis, mas, atualmente, faltam as medicações básicas para tratamento, tanto para sarna quanto para a furunculose, que são a Ivermectina e antibióticos, respectivamente”, pontua o defensor Cahuê Urdiales.
O coordenador do Nupiir, compara o cenário da inspeção a um dos mais chocantes já testemunhados. “A situação em que encontramos os presos, cheios de feridas abertas, furúnculos e sarna, dormindo em cobertores no chão e em um calor insuportável, com as celas fechadas e sem ventilação é uma das coisas mais tristes que vi na vida. Nem para animais se aceita esse tratamento e essas condições. Então, não dá para acreditar que são pessoas sendo tratadas desta forma. E o pior de tudo é a falta de preocupação das autoridades, pois não estavam fornecendo os remédios necessários para o tratamento, porque tais remédios não estavam nem na lista da prefeitura”, pondera o defensor Lucas Pimentel.
Mais de 500 internos estão contaminados com uma ou mais doenças. (Foto: Nuspen/DPMS)
Falta medicação básica para o tratamento de escabiose. (Foto: Nuspen/DPMS)
A coordenadora do Nudedh destaca, para além da falta de medicamentos, a falta de água na maior parte da unidade. “O racionamento por si só já é violador de direitos básicos, já que os cidadãos suportam o calor que vem fazendo, agravando as condições da prisão, mas em se tratando do tratamento de doenças infecciosas, tanto pior, pois não há como fazer uma higiene adequada”, alerta a defensora Thaísa Defante.
Já o coordenador do Nucrim reitera que, além da questão da saúde, há problemas estruturais maiores. “Estamos diante de uma clara violação dos direitos humanos. Racionamento de água, ínfima quantidade de banho de sol, ausência de fornecimento de materiais de limpeza e higiene pessoal, celas com pouca circulação de ar e luz natural. Houve reclamação da comida, mas isso será apurado em outra oportunidade”, detalha o coordenador do Nucrim.
Desta inspeção serão elaborados relatórios com imagens, informações levantadas e com os relatos dos detentos ouvidos nos presídios. O documento será encaminhado para a Agepen e Secretária de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).
SES
No dia 25 de janeiro, o subdefensor-geral, Homero Lupo Medeiros, o coordenador do Nuspen, defensor público Cahuê Urdiales, a coordenadora do Núcleo da Saúde (NAS), defensora pública Eni Diniz, e o coordenador do Nucrim, defensor público Daniel Calemes, se reuniram com o secretário de Estado de Saúde, Maurício Simões, e a secretária adjunta da Secretaria de Estado de Saúde, Christine Maymone, para deliberar sobre a crise sanitária.
No encontro ficou acordado que um planejamento será elaborado para o enfrentamento efetivo da crise sanitária.
Agepen
Ainda no dia 25 de janeiro, o coordenador do Nuspen e o coordenador do Nucrim se reuniram com a administração da Agepen, para debater o problema dentro da PED. Na agenda, os defensores destacaram algumas medidas de urgências, como o aumento do banho de sol, o fim do racionamento de água e a troca de colchões.
“Durante a inspeção foi verificado que as primeiras medidas estão sendo tomadas, como a troca de colchões, mas ainda é insuficiente”, pontua o coordenador do Nuspen.
Superlotação
O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, em outubro de 2023, a violação massiva de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro. A pauta é um debate constante da Defensoria Pública e, em Mato Grosso do Sul, núcleos temáticos realizam mapeamento da situação, por meio de inspeções e do projeto Porta de Entrada — que analisa a chegada de presas e presos aos presídios.
A decisão do STF também deu prazo de seis meses para o governo federal elaborar um plano de intervenção para resolver a situação, com diretrizes para reduzir a superlotação dos presídios, o número de presos provisórios e a permanência em regime mais severo ou por tempo superior ao da pena, bem como a saúde e higiene.
A PED é a maior penitenciária máxima de Mato Grosso do Sul e possui cerca de 2,4 mil detentos. A escabiose ou sarna é uma doença parasitária e o tratamento ideal se torna quase impossível em um presídio como a PED, considerando o número de internos.
Inspeções
O Nuspen é o núcleo responsável pela elaboração do cronograma anual de inspeções nos estabelecimentos penais administrados pela Agepen em MS, conforme Resolução DPGE n.º 276/2022.
A atividade de inspeção em Estabelecimento Penais, por órgão independente e externo à Administração Penitenciária, é prevista na Lei de Execução Penal, nas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Mandela) e na Resolução CNPCP n.º 7, de 13 de dezembro de 2018, a fim assegurar a dignidade da pessoa humana no ambiente prisional (Convenção Americana de Direitos Humanos).
Em 2023 foram realizadas três inspeções em presídios de MS e para o coordenador do Nuspen, a regulamentação da atividade de inspeção inaugurou fase da Defensoria e, consequentemente, do Núcleo do Sistema Penitenciário, porque reforça o papel de promoção dos direitos humanos por meio da melhoria das condições de encarceramento.
Outras inspeções
Em novembro de 2023, a Defensoria realizou quatro inspeções em delegacias da Polícia Civil de Campo Grande. As ações em delegacias diferem das inspeções em unidades prisionais.
Nas delegacias, as visitas foram motivadas por relatos obtidos em audiências de custódia, que revelaram condições de encarceramento piores que em penitenciárias.