Uma operação conjunta envolvendo o Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul (MPT-MS), a Fiscalização do Trabalho e a Polícia Militar Ambiental resultou no resgate de nove trabalhadores paraguaios submetidos a condições análogas à escravidão em uma carvoaria no município de Aquidauana. A operação, realizada em 21 de agosto de 2024, culminou na assinatura de um acordo em que a empresa se compromete a pagar um total de R$ 550 mil em danos morais coletivos e individuais.
Os trabalhadores, todos de nacionalidade paraguaia, atuavam na produção de carvão vegetal e eram vítimas do chamado “truck system”, um esquema de servidão por dívida. Nesse sistema, os trabalhadores tinham seu direito de ir e vir limitado pelo endividamento com o empregador, que controlava o acesso a alimentos e produtos de higiene pessoal por meio de um armazém local. O estabelecimento era gerenciado pela esposa do proprietário da carvoaria, que vendia mercadorias a preços muito superiores aos praticados no mercado. Um pão de forma, por exemplo, era vendido por R$ 15, enquanto o preço médio em Aquidauana era de R$ 6,59.
Segundo o procurador do Trabalho Paulo Douglas Almeida de Moraes, que liderou a operação, os trabalhadores foram “traficados do Paraguai já com um débito referente ao valor do transporte até a carvoaria”. Além disso, “todo o consumo de mercadorias estava atrelado ao armazém”, impossibilitando que as vítimas comprassem seus suprimentos em outros locais. “Esses trabalhadores ficavam alojados na propriedade rural e impedidos de se deslocarem para outro lugar onde pudessem adquirir os produtos necessários para a sua subsistência”, afirmou o procurador.
Os trabalhadores relataram que o pagamento dos salários só era feito quando retornavam à cidade de origem, e que muitos acabavam voltando à carvoaria devido às dívidas acumuladas no armazém. “Tem situação de trabalhador que não consegue voltar porque está devendo”, contou uma das vítimas, que trabalhava no local há quatro meses.
Durante a audiência administrativa realizada na Vara do Trabalho de Aquidauana, os trabalhadores resgatados foram orientados e puderam negociar diretamente com os representantes legais da carvoaria. Sete trabalhadores receberão R$ 60 mil cada um, enquanto outros dois receberão R$ 40 mil. Além das indenizações, foi acordado o pagamento de R$ 51 mil em verbas rescisórias e R$ 50 mil em danos morais coletivos, totalizando quase R$ 767 mil em acertos.
A carvoaria também assinou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) comprometendo-se a regularizar as condições de trabalho, incluindo o registro formal dos empregados, o fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), e a oferta de água potável em condições higiênicas. Além disso, a fiscalização do Trabalho aplicou R$ 165 mil em multas por inobservância da legislação trabalhista.
O caso de Aquidauana reflete um problema persistente em Mato Grosso do Sul. Nos últimos anos, diversas operações semelhantes resultaram no resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão. Em 2022, 116 trabalhadores foram resgatados, e em 2023, mais 87 pessoas foram retiradas dessas situações degradantes. Em 2024, até agora, já foram resgatados 71 trabalhadores.
As vítimas de trabalho escravo no Brasil não são apenas privadas de liberdade, mas também da dignidade humana, vivendo em condições degradantes, submetidas a jornadas exaustivas e, muitas vezes, presas ao trabalho por dívidas fraudulentas.
Fonte: MPT-MS
Foto: Fiscalização do Trabalho